Entrevista Paulo Emílio

“Guzerá é a raça do lucro”, afirma Paulo Emílio


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Especialista em mercado financeiro e presidente da Associação Mineira de Criadores de Guzerá (AMCG), Paulo Emílio é enfático ao destacar que “o Guzerá é a raça do lucro”. O criador ressalta que procura trazer para dentro da comercialização dos animais da raça os seus conhecimentos sobre mercado.

“Minha vontade é tentar mostrar para os demais criadores e amigos que nós temos uma coisa muito melhor na mão do que nós achamos. E não estamos sabendo valorizar do que jeito que deve ser valorizado”, afirma.

Ele explica que o investimento no Guzerá, para cruzamento industrial, é vantajoso devido ao pouco tempo em que o dinheiro aplicado retorna ao pecuarista. “Se você levar cinco anos para ter o preço que você pagou, não é um bom negócio. Se você levar dois anos, é melhor. Agora, em um ano? No mundo não existe. E nós temos isso aqui.”

“Acabou aquela pecuária em que você matava um boi com oito anos. Todo mundo está vendo que a pecuária tem que ter prazo curto, e com rentabilidade. As margens são muito pequenas. Você não pode desprezar uma margem de 20% obtida pela heterose, e ficar insistindo em uma que vai te dar, no máximo 2%, se você acertar”, ressalta o criador.

Em sua opinião, a superioridade do Guzerá em relação às demais raças não é mérito dos criadores, mas o resultado de uma longa e rigorosa seleção natural. “A seleção natural foi o grande trunfo do Guzerá. Nem que a gente queira, não conseguiremos estragar isso.”
 
Trabalhando há 12 anos com o melhoramento genético da raça, Paulo Emílio já foi o grande campeão de Curvelo e Belo Horizonte (MG), além de ter sido o primeiro criador a vender um touro da raça acima dos R$ 140 mil.

“Não é importante o valor que você vende o touro. O importante é mostrar aos criadores que o animal vale porque existe um comércio de sêmen garantido. Não é que eu queira que o meu animal valha mais ou menos. O mercado está precificando que ele vale”, afirma.

Para ele, “está faltando uma divulgação maior da raça”. “Os criadores têm que falar, têm que divulgar, têm que mostrar”, destaca, acrescentando que “o marketing é o nosso segredo”. “Eu acho que se a gente não souber usar o marketing, ele será usado contra a gente”, avalia. 

Confira a entrevista, que está dividida em tópicos, e que conta com a participação de Adriano Varela e Brilhante Neto, responsáveis pelo Guzerá da Capital.

Por que escolher Guzerá?

Paulo Emílio - O Guzerá é a raça do lucro. Acabou aquela pecuária em que você matava um boi com oito anos. Todo mundo está vendo que a pecuária tem que ter prazo curto, e com rentabilidade. As margens são muito pequenas. Você não pode desprezar uma margem de 20% obtida pela heterose, e ficar insistindo em uma que vai te dar, no máximo 2%, se você acertar. Esses 18% são a diferença entre lucro e prejuízo. Como o rebanho comercial brasileiro é composto, em sua maioria, por fêmeas aneloradas, você fica quase que obrigado a usar o Guzerá na vacada. Você não tem opção. No final da primeira quinzena de março, nós tivemos um leilão em São Paulo no qual os tourinhos saíram acima de R$ 4.500, em média, e a demanda era muito maior do que foi ofertado.

Brilhante Neto – O pessoal está começando a descobrir essa margem que fica.

Paulo Emílio – A cada cinco anos você ganha uma boiada. Isso é uma coisa que chama a atenção, porque se você ganha 20% na primeira geração, você ganha 1/5. Se você ganha 1/5, você solta quatro boiadas de Nelore e solta cinco de Guzonel.

Adriano Varela – Quando você cruza Nelore com Nelore, ou Guzerá com Guzerá, o filho tende a ser 2% melhor do que o pai. Isso é evolução genética. Quando há um choque de raças, o produto sofre uma heterose. E na heterose, há um ganho de até 20% em uma geração. Se você for cruzar o Guzonel com o Guzerá, isso já não é verdade. Mas no cruzamento do Nelore com o Guzerá isso é verdade. Então você tem um ganho de 20% de uma geração para outra. E como aquilo é um produto final, significa dizer que ele é 18% melhor do que um produto Nelore com Nelore. Como a grande base brasileira é Nelore, hoje, a grande raça que pode suprir isso e dar esse “plus” ao criador, sem os problemas observados nas raças européias, é o Guzerá.

Vendas

Paulo Emílio – Como criador, já fiz algumas das vendas mais caras da raça...

Adriano Varela – Em Brasília, Paulo é sócio do Leilão Planalto, que acontece todo ano na primeira segunda-feira do mês de setembro. Ele vendeu, em Brasília, os touros Signo AM e Abaeté S. Os dois foram recordes da raça. Num ano, ele vendeu o Abaeté S para Rodrigo Canabrava, de Curvelo (MG). E, no ano seguinte, voltou a quebrar o recorde com o Signo, vendido para João Natal Cerqueira, de Jequitibá (MG).

Paulo Emílio – Com as vendas desses touros, ambos acima de R$ 140 mil, eu mostrei ao pessoal que um reprodutor, ou reprodutora, quando são diferenciados, têm que ter um preço diferenciado. Ambos os compradores pagaram os touros com venda de sêmen. Quer dizer, foi um investimento com retorno garantido. E a partir do momento que eu vendi o touro, nunca mais eu vendi uma dose de sêmen desses animais. Tem um touro do Aldo Tonetto (Gobbo IT) que já vendeu aproximadamente 150 mil doses de sêmen. Então você tem um mercado muito grande para usar esses touros. E esse ano, eu estava comentando com o Adriano, que eu pretendo vender um dos touros que foi reservado grande campeão em Uberaba, que é o Naturalismo PEAC, no leilão de Brasília em setembro. Não é importante o valor que você vende o touro. O importante é mostrar aos criadores que o animal vale porque existe um comércio de sêmen garantido. Então esse retorno é garantido. Não é que eu queira que o meu animal valha mais ou menos. O mercado está precificando que ele vale.

Adriano Varela – Paulo mandou Signo coletar numa central, antes de colocá-lo à venda. Então, com isso, ele vendeu muito pouco sêmen de Signo na porta da fazenda.

Paulo Emílio – Só vendi mil doses.

Adriano Varela – E parou de vender por um período. Só que estavam nascendo os bezerros dos criadores. Havia uma demanda reprimida no mercado. Na noite que João Natal comprou Signo, quando terminou o leilão, nós fomos à Casa do Guzerá. E na Casa do Guzerá ele comercializou 1/3 do que acabara de pagar pelo animal em sêmen.
 
Paulo Emílio – Ele já pagou o boi mais de uma vez com venda de sêmen.

O que esperar deste ano?

Paulo Emílio – No início deste ano foi realizado o 9º Leilão de Produção Guzerá Perfeita União & Amigos, com média de R$ 4.500 de média em tourinhos comerciais. E a gente está percebendo que o mercado está querendo, está procurando; e está meio perdido porque não sabe aonde procurar. O que é um erro nosso em termo de marketing. Cada um individualmente fazendo um esforço, ele cansa e não resolve o problema. Agora, se todo mundo estiver remando na mesma direção, o barco vai com muito mais velocidade. A minha formação profissional é de mercado financeiro. Então eu tento trazer para dentro da comercialização dos produtos da raça a minha escola, o meu aprendizado de mercado financeiro. E até agora eu tenho tido bastante sucesso com relação a isso. Minha vontade é tentar mostrar para os demais criadores e amigos que nós temos uma coisa muito melhor na mão do que nós achamos. E não estamos sabendo valorizar do jeito que deve ser valorizado. O marketing é o nosso segredo. Eu acho que se a gente não souber usar, ele será usado contra a gente.

Guzerá: a história comprova sua superioridade

Paulo Emílio – Não é modismo criar Guzerá, porque ele foi o primeiro Zebu que entrou no Brasil. E com o gado ibérico que veio para o Brasil, ele cruzava, dando um animal mais sadio, e ninguém sabia muito bem o que era. Só sabia que era um animal de cupim, e que aquilo ia por esse sertão andando. E com isso eles foram aumentando. Eu comprei o rebanho do coronel João de Abreu, datado de 1895. Desde essa data ele tinha anotações zootécnicas, e ele sabia que aquele gado cinza pesava mais do que os outros. Ele não sabia o porquê. Em mil novecentos e trinta e pouco, quebrou o zebuzeiro todo, mas o Guzerá continuou. Só que para comprar o Guzerá, era mais uma questão de status do que de zootecnia. Eram poucos criadores e para comprar, você tinha que suplicar, pedir pelo amor de Deus. O criador lhe cedia dez novilhas, dez vacas. E a grande seca que aconteceu no nordeste matou o gado todo. O único que sobrou foi o Guzerá. Não que tivesse sido feita alguma seleção para isso no Brasil. Quem fez isso foi a natureza. Na Índia, o Guzerá era criado no deserto. E uma coisa que a gente percebe, como fazendeiro, é o seguinte: se você pegar nas mesmas condições, e colocar uma vacada Guzerá e uma vacada Nelore, quanto pior a condição, maior a vantagem que o Guzerá leva em relação as demais raças. Estou falando Nelore porque é o que tem mais. Mas não é mérito nosso não. É porque a conversão alimentar, pela escassez de alimentos no deserto, selecionou os animais com conversão alimentar mais alta. A seleção natural foi o grande trunfo do Guzerá. Nem que a gente queira, não conseguiremos estragar isso. É uma coisa que foi feita através de milhares de anos. Isso aconteceu durante 4 mil anos, com a certeza de registros. Não consegue ser destruído. Quando você me pergunta se a gente tem chance dentro da pecuária atual, eu respondo que a nossa chance é ótima. O Guzerá é o Zebu de maior pureza racial. E a heterose está ligada diretamente à pureza racial. Se você cruzar um Guzerá com qualquer coisa, vai nascer um animal de uma cor só. Não interessa se o animal é pintado, vai nascer de uma cor só porque esse é um item que é dominante no Guzerá. Ele vai ser um animal, em tese, muito bom para o corte e, de razoável para bom para leite. Isso considerando os padrões que nós temos de alimentação. Porque se você quer tirar leite, com a sofisticação de alimentação, vá mexer com Holandês. Agora se você está olhando que isso pode ser tirado à pasto, então o Guzerá leva uma vantagem danada. Basta dizer que o maior produtor de leite do mundo é a Índia, e o maior rebanho na Índia é Guzerá. A Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] descobriu agora uma proteína do leite chamada beta caseína, que dá muito mais queijo por litro de leite. Eles estão fazendo marcadores genéticos e descobriram que a raça que mais tem isso é o Guzerá. E isso, a partir do momento em que você é remunerado pelos sólidos que o leite contêm. Eu sempre brinco, dizendo o seguinte: o Nelore é a raça de corte, o Gir é a raça do leite, e o Guzerá é a raça do lucro. Nós temos vacas Guzerá com 18 anos produzindo. E produzindo muito bem. Isso aumenta a rentabilidade do criador, a partir do momento em que sua reposição diminui. A gente tem que deixar a paixão de lado e imaginar o seguinte: se der lucro, eu vou fazer. Se não der lucro, tem maneiras mais divertidas de rasgar dinheiro.

Raças européias

Paulo Emílio - Das raças européias eu nem vou comentar. Porque, se tiver um carrapato num raio de 10 quilômetros, ele vai na raça européia. E tem estudos da Embrapa que demonstram que a quantidade de carrapato aumenta de acordo com o grau de sangue. É impressionante.           
      
Em artigo publicado no site da Embrapa, intitulado “Controle do carrapato do boi: um problema para quem cria raças européias”, o Dr. Alberto Gomes, médico veterinário com doutorado em parasitologia animal, afirma que o carrapato “causa grandes prejuízos à pecuária brasileira, principalmente nas regiões onde se criam raças taurinas (gado europeu) e seus cruzamentos.”

Confira a íntegra do artigo.

Divulgação da raça

Paulo Emílio – O que está faltando é uma divulgação maior da raça. Isso é um mea culpa. Os criadores têm que falar, têm que divulgar, têm que mostrar. Nós traçamos como estratégia na Associação Mineira de Criadores de Guzerá, colocar a universidade dentro da raça. Então a escola de veterinária da UFMG [Universidade Federal de Minas Gerais] montou uma fazenda em Pedro Leopoldo [município localizado a 46 Km de Belo Horizonte], tem um centro de pesquisa e já tem um rebanho Guzerá e um rebanho Guzolando. Isso foi feito para que o Guzerá não fique sendo apenas uma coisa de retrato, para que o estudante possa ver e possa comparar. Nós vamos levar o Guzerá para as universidades, a UnB [Universidade de Brasília], a Universidade de Viçosa [universidade federal em Minas Gerais], a UFMG já tem, a Universidade Federal de São Carlos [em São Paulo] já tem, o Instituto de Zootecnia de São Paulo já tem. Isso será feito para que as pessoas não fiquem achando que isso é um modismo. Se é um modismo, é um modismo bom, que tem mais de 100 anos que ele é usado. E isso é um defeito do criador do Guzerá: ele é muito bom da fazenda para dentro, e péssimo da fazenda para fora. A decisão é de cada um.

Adriano Varela – Temos o exemplo de um fazendeiro que cria gado branco, em Unaí (MG), que comprou touros Guzerá e jogou na vacada. O produto Guzonel desmamou uma arroba mais pesado. Uma arroba hoje vale, em média, R$ 65,00. Um touro cobre um lote de 30, 40 vacas sem estresse. Quer dizer, em um ano, pelo simples fato de ter utilizado Guzerá, ele faturou R$ 2.600,00 a mais.

Paulo Emílio – Esse lucro é se você vender na desmama. Mas, se você ficar com ele, você vai ganhar seis meses de pasto porque um vai sair com dois anos e meio, e o produto não cruzado, com dois anos. Se você imaginar que o aluguel de pasto custa R$ 20 por mês, em seis serão R$ 120 por animal de economia.

Brilhante Neto – Já pensou comprar o touro? Em um ano ele já se pagou no próprio ano. Só no peso, para vender o bezerro e vender o touro como arroba.

Paulo Emílio – Uma coisa que a gente tem que ensinar ao fazendeiro, e que em economia tem um nome muito bonito, que é a “taxa interna de retorno”; é a seguinte: seu lucro está diretamente relacionado ao que vai retornar para você. Se você levar cinco anos para ter o preço que você pagou, não é um bom negócio. Se você levar dois anos, é melhor. Agora, em um ano? No mundo não existe. E nós temos isso aqui.

História de criador   

Paulo Emílio - Eu comecei a criar Guzerá em 1976, mas não era Guzerá puro. Era um plantel de Guzerá, que tinha 2 mil vacas. Talvez hoje fosse o maior plantel reunido de Guzerá, mas eram vacas sem registro. Essa foi a semente da paixão com o Guzerá. Em 1995, quando eu fui ao primeiro leilão do Dr. Antônio Ernesto, lá em Curvelo, e comprei os meus primeiros animais. E iniciei esse trabalho de seleção. Em 1998, eu fui à Paraíba e tive a oportunidade de comprar o rebanho JA, do Coronel João de Abreu, que é o rebanho mais antigo do Brasil, datado de 1895. Ele era de Cantagalo, no Estado do Rio de Janeiro, e foi vendido em 1978 para a Paraíba para José e Ana Rita Tavares de Melo. Eu comprei o rebanho, com 250 fêmeas, comprei a marca JA e anotações zootécnicas, que eram manuscritas. Uma coisa de museu, muito interessante. E trouxe tudo para a Fazenda Palestina. E tenho desenvolvido o trabalho com esse rebanho, através de FIV [fertilização in vitro], transferência de embrião, inseminação artificial e monta natural. Hoje, a Palestina tem 1.500 cabeças de Guzerá PO e é com esse trabalho que nós já conseguimos um grande campeonato da raça em Curvelo e Belo Horizonte. E o campeonato de concurso leiteiro em Uberaba e dois reservados, grande campeão, em Uberaba. Quer dizer, para um criador novo, com apenas doze anos de criação, eu acho que isso é muita coisa.